Algumas notas sobre o preço
dos combustíveis líquidos

Interesse nacional<br>exige o controlo público<br>do sector energético

Fernando Sequeira

Em ar­tigo pu­bli­cado no Avante de 18 de Fe­ve­reiro, ob­ser­vámos al­guns as­pectos da evo­lução do preço do pe­tróleo bruto, de­sig­na­da­mente os re­la­ci­o­nados com o seu lento mas ine­xo­rável pro­cesso de es­go­ta­mento, com as di­nâ­micas da pro­cura e da oferta de­pen­dentes do de­sem­penho das eco­no­mias e das al­te­ra­ções nos pa­ra­digmas de con­sumo, bem como, com a im­por­tância de fa­tores po­lí­ticos glo­bais nas os­ci­la­ções bruscas dos preços.
Neste ar­tigo iremos tentar cor­re­la­ci­onar o preço médio antes de im­postos (PMAI) de al­guns com­bus­tí­veis, com o valor do pe­tróleo bruto, no caso do Norte da Eu­ropa e por­tu­guês, o pe­tróleo tipo Brent.

Con­tra­ri­a­mente à quase to­ta­li­dade dos pro­dutos in­dus­triais, em que o preço antes de im­postos (na ge­ne­ra­li­dade so­mente IVA) re­flecte uni­ca­mente a res­pec­tiva es­tru­tura de custos – ma­té­rias-primas, energia, força de tra­balho, for­ne­ci­mentos e ser­viços de ter­ceiros, amor­ti­za­ções, custo do di­nheiro, etc. – mais as res­pe­tivas mar­gens, na in­dús­tria de re­fi­nação de pe­tróleo tal regra não se ve­ri­fica, pois que um ele­mento muito im­por­tante dos custos, a ru­brica ma­téria-prima do­mi­nante, ou seja, o preço em bolsa do pe­tróleo bruto, que em 2015 cor­res­pondia a cerca de 90 por cento do total dos custos, não é o que serve para o cál­culo dos custos, mas sim o valor diário numa es­pécie de bolsa do res­pec­tivo pro­duto aca­bado de re­fi­nação – ga­so­linas, ga­só­leos, fuel óleo, coque de pe­tróleo, etc.

Os preços diá­rios dos re­fi­nados têm assim uma vida pró­pria, pois por es­tranho que pa­reça não estão in­de­xados aos preços do pe­tróleo, mas são sim de­ter­mi­nados pela di­nâ­mica de bolsas es­pe­ci­a­li­zadas, de­sig­na­da­mente as bolsas de Ro­terdão e de La­vena para a Eu­ropa, e a WTI-West Texas Ins­ti­tu­tion para os EUA. No caso do Norte da Eu­ropa e por­tu­guês, a agravar uma es­pécie de vício ge­né­tico na de­ter­mi­nação dos preços, os preços in­ter­na­ci­o­nais de re­fe­rência são os Platts NWE, for­ne­cidos por uma con­sul­tora es­pe­ci­a­li­zada, a Platts.

Porque são os com­bus­tí­veis ro­do­viá­rios aqueles que mais di­re­ta­mente im­pactam na vida das fa­mí­lias, iremos ana­lisar os «mis­té­rios» da evo­lução do preço destes face às va­ri­a­ções do preço da ma­téria-prima do­mi­nante1, ou seja, do pe­tróleo bruto.

Preços do pe­tróleo bruto vs preços de re­fi­nados:
ar­gu­mentos e contra-ar­gu­mentos

Os poucos de­fen­sores do ac­tual sis­tema de for­mação de preços dos com­bus­tí­veis, no es­sen­cial, as pe­tro­lí­feras e a sua as­so­ci­ação APETRO, quando os opo­si­tores chamam a atenção para o não acom­pa­nha­mento das des­cidas dos preços dos com­bus­tí­veis, face às des­cidas do preço do pe­tróleo Brent, nor­mal­mente opõem pelo menos três ra­zões, a saber: a pri­meira, a de que tais des­cidas não têm em atenção as re­la­ções entre as co­ta­ções do euro e do dólar; a se­gunda, a de que para além do custo do pe­tróleo, ou­tros fac­tores in­cor­poram a es­tru­tura de custos dos di­versos re­fi­nados; e a ter­ceira, so­mente vá­lida para em­presas com in­te­gração ver­tical, por­tanto da ex­plo­ração à dis­tri­buição (caso da Gal­pE­nergia), é que os seus lu­cros de­correm do­mi­nan­te­mente da ac­ti­vi­dade de ex­plo­ração e pro­dução no ex­te­rior do País.

Ob­ser­vemos com algum de­talhe estes três ar­gu­mentos.

Todos os três ar­gu­mentos contêm al­guma ver­dade, mas só al­guma, a qual não ex­plica, nem de perto nem de longe, o ca­rácter es­pe­cu­la­tivo e oli­go­pó­lico da for­mação dos preços dos com­bus­tí­veis, par­ti­cu­lar­mente quando os preços do pe­tróleo estão em queda.

Re­la­ti­va­mente à pri­meira questão, os de­fen­sores do ac­tual stato quo dos preços, afirmam sempre que não se pode cor­re­la­ci­onar as des­cidas do Brent com as des­cidas dos com­bus­tí­veis, pois que as ramas são com­pradas em dó­lares e o com­bus­tível é ven­dido em euros, facto agra­vado pelas ten­dên­cias dos úl­timos anos, de des­va­lo­ri­zação do euro face ao dólar.

Porém, só na apa­rência é que esta é uma questão re­le­vante, pois que ex­pres­sando o preço, seja das ramas, seja dos re­fi­nados, em euros por uni­dade de peso ou de vo­lume, como fa­remos adi­ante, o ar­gu­mento, porque falso, cai pela base, pois que a cor­re­lação con­tinua a não ter lugar.

Re­la­ti­va­mente à se­gunda questão, ob­vi­a­mente que existem ou­tros custos para além do pe­tróleo, al­guns dos quais são sempre ex­pli­ci­tados, como os de ar­ma­ze­nagem, de dis­tri­buição e co­mer­ci­a­li­zação, que cor­res­pon­diam a 26 por cento dos custos em 2015, e ou­tros nunca ex­pli­ci­tados, como os custos de re­fi­nação (energia, pes­soal, amor­ti­za­ções, etc., e que cor­res­pondem, em média, para os di­versos re­fi­nados, a cerca de 10,3 por cento dos custos to­tais de re­fi­nação) e as di­versas mar­gens, todos eles es­con­didos atrás do bi­ombo da cha­mada co­tação.

O ter­ceiro ar­gu­mento, ou seja, o de que a Gal­pE­nergia obtém os seus re­sul­tados lí­quidos do­mi­nan­te­mente na ac­ti­vi­dade de ex­plo­ração e pro­dução se­diada no ex­te­rior (An­gola e Brasil), e usado desde há al­guns anos, também tem pés de barro.

Efec­ti­va­mente, trata-se de um ar­gu­mento ver­da­deiro quando a co­tação do pe­tróleo está em alta (quando o con­sumo é menor e as mar­gens de re­fi­nação são mais re­du­zidas), e é um ar­gu­mento falso, quando a co­tação do pe­tróleo está em baixa (e em que as mar­gens de re­fi­nação são muito ele­vadas).

Isto é, as em­presas com in­te­gração ver­tical1 como é o caso da Gal­pE­nergia, estão sempre a ga­nhar, quer o pe­tróleo es­teja em baixa ou em alta.

Vol­ta­remos a este tema mais adi­ante.

Mas nada disto al­tera a con­clusão geral, como mais à frente ob­ser­va­remos.

Preços de crude e preços
dos com­bus­tí­veis

Feito este en­qua­dra­mento me­to­do­ló­gico, co­me­cemos por ob­servar a evo­lução re­cente dos preços do Brent e dos prin­ci­pais re­fi­nados, abran­gendo o pe­ríodo 2013-2015, a que cor­res­ponde, a partir de me­ados de 2014, o pe­ríodo de pro­funda queda do preço do pe­tróleo.

Assim, en­quanto a co­tação do pe­tróleo Brent na bolsa de Ro­terdão desceu 42,1 por cento no pe­ríodo, a co­tação da ga­so­lina 95 desceu 30,6 por cento (menos 28,5 %) e a do ga­sóleo ro­do­viário, 35,4 por cento (menos 16 %), es­tando ambas ob­vi­a­mente ex­pressas na mesma uni­dade, o euro/​to­ne­lada. Está pois des­feito o pri­meiro ar­gu­mento.

Por outro lado, em Por­tugal, o PMAI teve, para o mesmo pe­ríodo, uma des­cida de 21,8 por cento para a ga­so­lina 95 (menos 48 % re­la­ti­va­mente ao pe­tróleo, contra menos 28,7 % re­la­ti­va­mente à co­tação da ga­so­lina 95) e de 26 por cento para o ga­sóleo ro­do­viário (menos 38,2 % re­la­ti­va­mente ao pe­tróleo, contra menos 26,5 % da co­tação do ga­sóleo).

Es­tamos pois, em Por­tugal, pe­rante um agra­va­mento adi­ci­onal ao que de­corre do vício ge­né­tico.

Ob­ser­vemos agora o real peso do pe­tróleo bruto na es­tru­tura de custos.

Co­me­cemos pela ga­so­lina 95 e acei­tando como ponto de par­tida a es­tru­tura «ofi­cial» de custos apre­sen­tada pela APETRO, isto é, aquela em que onde de­veria estar o peso e o preço do pe­tróleo, está a cha­mada co­tação do re­fi­nado.

Em 2013, o peso da co­tação da ga­so­lina 95 cor­res­pondia a 80,23 por cento do total dos custos, em 2014 a 79,17 por cento e em 2015 a 70,88 por cento.

Con­tudo, como já ob­ser­vámos atrás, a des­cida da co­tação da ga­so­lina 95 entre 2013 e 2015 foi so­mente de 27, 15 por cento da co­tação do Brent.

Ora o que os re­fi­na­dores com­pram fi­si­ca­mente e re­finam é o pe­tróleo Brent e não as co­ta­ções dos re­fi­nados.

Assim, em dois anos, em termos mé­dios, as re­fi­na­doras, no que à ga­so­lina 95 res­peita, fi­caram a ga­nhar 27,15 por cento face à des­cida do preço do Brent, pois o que in­cor­po­raram na sua es­tru­tura de custos foi o valor Platts do re­fi­nado, quando devia ter sido o preço do pe­tróleo.

Re­la­ti­va­mente ao ga­sóleo ro­do­viário, o peso da sua co­tação cor­res­pondia a 78,55 por cento do total dos custos em 2013, 79,92 por cento em 2014 e 69,12 por cento em 2015.

Cor­ro­bo­rando o que já atrás foi dito sobre as muito di­fe­rentes evo­lu­ções dos preços do pe­tróleo e dos de­ri­vados, é muito in­te­res­sante ana­lisar as es­ta­tís­ticas rá­pidas da DGEG sobre com­bus­tí­veis fós­seis, em que se ana­lisa a evo­lução da re­lação (rácio), entre o preço por litro de com­bus­tível antes de im­postos, e o preço do litro de Brent, ambos já ex­pressos em euros por litro.

Se a va­riável a in­cor­porar na es­tru­tura de custos fosse o pe­tróleo bruto, em vez do de­ri­vado, esta re­lação dever-se-ia manter sen­si­vel­mente cons­tante ao longo do tempo. Con­tudo, ob­vi­a­mente, tal não se ve­ri­fica.

Assim, em­bora com li­geiras flu­tu­a­ções, o rácio para a ga­so­lina 95 evo­luiu de 1,35 em Junho de 2014 até 1,92 em No­vembro de 2015, com um pico de 2,2 em Agosto de 2015, o que sig­ni­fica, para os va­lores li­mites, um cres­ci­mento dos be­ne­fí­cios em cerca de 42 por cento.

Re­la­ti­va­mente ao ga­sóleo ro­do­viário, o mesmo in­di­cador evo­luiu de 1,38 em Junho de 2014 para 2,1 em No­vembro de 2015, o que cor­res­ponde a um cres­ci­mento de 52 por cento.

A ver­da­deira es­tru­tura de custos é aquela que de­veria ter como ma­téria-prima o pe­tróleo bruto.

Assim, as di­fe­renças de preço de­ve­riam ser, por­tanto, res­pe­ti­va­mente, em 2014 e 2015, de menos 8,6 e 10,6 cên­timos para a ga­so­lina 95, e de res­pe­ti­va­mente menos 6,5 e 7,7 cên­timos para o ga­sóleo ro­do­viário.

Preços em Por­tugal
e na Eu­ropa

Re­la­ti­va­mente aos preços a nível eu­ropeu, por exemplo, em 2015, o PMAI em Por­tugal, foi para a ga­so­lina 95, 2 cên­timos acima da média da zona euro e um cên­timo abaixo de Es­panha.

Re­la­ti­va­mente ao ga­sóleo ro­do­viário, o PMAI está cerca de quatro cên­timos por litro acima da média da zona euro e um cên­timo por litro acima de Es­panha.

Também esta ven­ti­lação vem con­firmar o facto de que, em cima de um pro­cesso geral que sub­verte com­ple­ta­mente os preços face aos custos, em Por­tugal tal regra ainda é uti­li­zada de forma mais agra­vada.

Fi­nal­mente, não nos po­demos es­quecer de que a li­be­ra­li­zação do preço dos com­bus­tí­veis, con­cre­ti­zada em 2013 pelo go­verno PSD/​CDS (D. Bar­roso/​Portas), veio agravar este quadro.

Sobre os su­per­lu­cros
das pe­tro­lí­feras

Todo o pro­cesso de for­mação de preços que atrás ob­ser­vámos ob­vi­a­mente que se re­flecte nos ní­veis dos lu­cros das pe­tro­lí­feras com in­te­gração ver­tical, de facto as grandes be­ne­fi­ciá­rias da ac­tual dra­má­tica des­cida dos preços do crude.

Este facto não cons­titui ne­nhum se­gredo, pois são as pró­prias re­fi­na­doras que o as­sumem, em­bora ainda com algum pudor.

Também ob­vi­a­mente em Por­tugal tem lugar esta ten­dência.

A Pe­trogal, já em cima de um ciclo de enormes lu­cros, ca­valga a des­cida dos preços do pe­tróleo ob­tendo su­per­lu­cros.

Ob­ser­vemos para os anos mais re­centes: 310 mi­lhões de euros em 2013; 373 mi­lhões de euros em 2014 e 639 mi­lhões de euros de euros em 2015. Isto é, entre 2014 e 2015, os re­sul­tados lí­quidos cres­ceram 71 por cento, ob­vi­a­mente do­mi­nan­te­mente de­vidos às mar­gens de re­fi­nação ex­ce­ci­o­nais, de­cor­rentes do efeito de des­cida do Brent.

No caso da Gal­pE­nergia/​Pe­trogal, e na linha do que atrás afir­mámos, en­quanto o EBITDA3 da ex­plo­ração de­cresceu 20 por cento entre 2014 e 2015, o mesmo in­di­cador cresceu para a re­fi­nação, para o mesmo pe­ríodo, 94 por cento (não é en­gano, é mesmo 94 %).

Acresce ainda o facto de grandes, re­centes e na­tu­ral­mente po­si­tivos in­ves­ti­mentos da Pe­trogal no seu apa­relho re­fi­nador terem in­du­zido ele­vadas pro­du­ti­vi­dades re­la­ti­va­mente ao apro­vei­ta­mento da ma­téria-prima e no do­mínio da efi­ci­ência ener­gé­tica (pa­la­vras da Gal­pe­nergia R&M: «...um apa­relho re­fi­nador com ele­vada dis­po­ni­bi­li­dade e fi­a­bi­li­dade em 2015...»).

Po­sição do PCP acerca dos mé­todos
de de­ter­mi­nação dos preços

Seja nas suas pro­postas de «Po­lí­tica ener­gé­tica ao ser­viço de um de­sen­vol­vi­mento so­be­rano», seja em pro­posta opor­tu­na­mente apre­sen­tada na As­sem­bleia da Re­pú­blica, o PCP, de há vá­rios anos a esta parte, vem pro­pondo a adopção de um mé­todo de cál­culo dos preços dos com­bus­tí­veis antes de im­postos que tenha em atenção o preço do pe­tróleo, e não a co­tação do res­pec­tivo re­fi­nado, assim como a co­tação média na UE.

Fi­nal­mente, toda esta pro­ble­má­tica, na­tu­ral­mente que a par de ou­tras, ar­rasta-nos mais uma vez para a ac­tu­a­li­dade cada vez mais forte da pro­posta do PCP de que o Es­tado deve ter um con­trolo de­ter­mi­nante sobre as em­presas es­tra­té­gicas do sector ener­gé­tico, no caso ver­tente a Gal­pE­nergia/​Pe­trogal, con­trolo pú­blico que per­mi­tiria, em cada mo­mento, gerir as em­presas de acordo com o in­te­resse geral de de­sen­vol­vi­mento e mesmo equi­lí­brio das contas pú­blicas, tendo por­tanto total con­trolo sobre um amplo con­junto de va­riá­veis eco­nó­micas e fi­nan­ceiras.

________________

1 Os adi­tivos têm um peso ir­re­le­vante nos custos: cerca de 0,7/​0,8 cên­timos por litro.

2 Ob­vi­a­mente que a exis­tência de in­te­gração ver­tical, com ex­plo­ração e pro­dução, re­fi­nação, ar­ma­ze­nagem, co­mer­ci­a­li­zação e dis­tri­buição, é um as­pecto eco­nó­mica e so­be­ra­na­mente muito po­si­tivo.

3 EBITDA, sig­ni­fica Re­sul­tados antes de juros, im­postos e amor­ti­za­ções